Por coincidência – ou destino? – o novo filme do espanhol Pedro Almodóvar chega aos cinemas brasileiros na semana em que o tema eutanásia está na berlinda, após a notícia da morte do grande poeta Antonio Cícero por suicídio assistido. O filósofo, poeta, letrista, membro da Academia Brasileira de Letras e irmão da cantora Marina Lima, decidiu interromper a própria vida, aos 79 anos, depois de ser diagnosticado com o mal de Alzheimer. Ele fez o procedimento na Suíça, onde é permitido por lei, e deixou uma carta comovente para os amigos mais próximos, explicando sua decisão.
Na ficção, o tema chega em “O quarto ao lado” ( The room next door ) ao acompanhar a história de duas jornalistas que foram muito amigas na juventude quando trabalhavam na mesma revista. Mais tarde, cada uma seguiu um caminho na profissão: Ingrid – interpretada por Julianne Moore – tornou-se uma autora de auto ficção e Martha – vivida por Tilda Swinton – virou correspondente de guerra. Afastadas durante muitos anos, as duas se reencontram quando Martha é diagnosticada com uma doença terminal. E agora que caminho seguir ? ar as dores de um câncer e perder autonomia ou enfrentar o que é colocado pela sociedade como um dilema moral que é apressar o próprio fim? Almodóvar já abre o filme revertendo essa noção de moralidade ao colocar em discussão a morte como um fato, embora esse seja um assunto rejeitado por muita gente. Supersticiosos argumentam: melhor não falar sobre ela para não atraí-la ! Seja como for, não é melhor termos algum controle sobre ela, sobre aquela que não tem meio termo – como diz a canção de Sueli Costa – a morte? Antonio Cícero decidiu que sim. Cada pessoa e/ou espectador de “O quarto ao lado” achará sua resposta.
“O quarto ao lado” , extensamente divulgado como ‘ o primeiro longa de Almodóvar em inglês “ [ ele já havia filmado dois curtas-metragens nesse idioma: A voz Humana , um belíssimo trabalho de Tilda Swinton, e “ Uma estranha forma de vida”, onde Pedro Pascal e Ethan Hawke, têm uma relação homoafetiva em pleno Velho Oeste] foi o grande vencedor do Leão de Ouro do Festival de Veneza 2024, e deve proporcionar a indicação de suas duas protagonistas ao Oscar, assim como o próprio filme.
No seu país de origem, o filme dividiu opiniões, mas existe muito de antipatia nisso pelas idéias políticas de Almodóvar, na hora de analisarem seu trabalho. Vemos essa influência maligna também no Brasil em relação a grandes artistas.
Seja como for, nenhuma película do diretor espanhol a em branco. Ele sempre teve receio de filmar fora da língua materna e das limitações que Hollywood costuma impor por questões mercadológicas, mas ao que tudo indica temos uma nova película com a marca almodovariana. É uma ótima fase de vida quando não se precisa mais provar nada a ninguém. É o caso dele. Isso me basta, mesmo que o tema seja de difícil assimilação. Que venham mais criações desse brilhante diretor! (Veja o trailer)
Outros
Almodóvar não é o primeiro diretor a trazer o assunto para o cinema. Existem outros bons títulos que abordam a polêmica envolvendo o direito e o livre arbítrio de cada um interromper a própria vida.
Mar adentro (2004)
Baseado numa história real, esse é o meu filme favorito no tema. Javier Bardem é Ramón Sanpedro, um homem que luta pelo direito de encerrar a própria vida, depois de ficar 28 anos tetraplégico por causa de um acidente.
De quem é a vida afinal ? ( 1981)
Um escultor fica preso à cama, após um terrível acidente. Ele entra em depressão e pede para os médicos desligarem as máquinas que o mantém vivo.
A festa de despedida (2014)
Idosos de um asilo em Israel criam uma máquina para ajudar um amigo a morrer e o equipamento se torna conhecido por outros grupos que também querem utilizá-lo.
A bela que dorme (2012)
Eluana Englaro estava em coma há 17 anos quando seu caso foi levado ao parlamento para aprovação dos médicos desligarem ou não as máquinas. Histórias de outros pacientes se entrelaçam, sempre medidas por crenças e ideologias diferentes.
Johnny vai à guerra (1971)
Único filme dirigido pelo brilhante roteirista Danton Trumbo é um dos filmes que mais me fez chorar na vida. Johnny é um jovem soldado que perde braços, pernas, a visão, o próprio rosto e a fala na guerra. Ouvimos seus pensamentos, vemos como ele era antes dos bombareios. Eutanásia, o absurdo da guerra, o tratamento humanitário em casos com esse…está tudo ali. Tente não chorar.
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Lançamentos nas plataformas
Semana de estreias fracas em streaming, mas vamos lá…
Novas Séries
Netflix
Territory – 6 episódios – Austrália – 2024
Essa minissérie vem na onda de “Yellowstone’. A história gira em torno da família Lawson, proprietária da maior fazenda de gado do mundo, enfrentando disputas e uma grande crise pela falta de uma liderança forte. Esse cenário abre espaço para intensos conflitos entre gerações, ameaçando a unidade da dinastia Lawson e colocando em risco todo o seu legado.
Disney +
Grotesquerie – 7 episódios – EUA – 2024
O poderoso Ryan Murphy, que acaba de fazer grande sucesso com “Monstros: Os irmãos Menendez” e é responsável pela famosa antologia “American Horror”, assina mais essa série de terror. A trama foca na investigação de uma série de crimes hediondos, que perturbam uma pequena comunidade. A detetive encarregada, Lois Tryon, acredita que os crimes sejam ataques pessoais, como se alguém — ou algo — estivesse zombando dela. Sem pistas e sem saber a quem recorrer, ela aceita a ajuda de uma freira/jornalista do Catholic Guardian, a Irmã Megan. Para quem gosta do gênero, uma boa pedida. O ator Nicholas Alexander Chavez (foto), um dos irmãos Menendez na série, está no elenco.
Apple TV
Falando a real – 10 episódios – EUA – 2024
Uma série de comédia/dramática onde Jason Segel (conhecido por “How I Met Your Mother”) interpreta um terapeuta deprimido, que se encontra em luto pela morte da esposa. Durante um surto, ele começa a quebrar as regras e a dizer a seus pacientes exatamente o que pensa. Ignorando seu treinamento e ética, ele se vê fazendo grandes mudanças na vida das pessoas – incluindo na sua – para preocupação de seu mentor, vivido por Harrison Ford , que também enfrenta seus próprios problemas, tendo sido recentemente diagnosticado com Parkinson.
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Filmes
Prime/Apple TV
Sra. Harris vai a Paris – direção: Anthony Fabian – 2023
Um filme simpático que conta a história de Ada Harris, uma faxineira inglesa, que acredita que sua vida pode mudar se ela conseguir comprar um vestido da Christian Dior. Ela deixa sua vida em Londres para trás e segue para Paris, onde precisará convencer a elite sa a realizar seu sonho. Lesley Manville interpreta a Sra, Harris, contracenando com a diva Isabelle Huppert.
MUBI (Prime)
O mal não existe – direção: Ryusuke Hamaguchi – 2023
Esse diretor japonês fez sucesso com o premiado “Drive my Car”, mas seu novo trabalho é bem diferente. Pela sinopse oficial, esta fábula ecológica de Ryusuke Hamaguchi analisa o lugar da humanidade na natureza e é também é uma experiência sensorial fascinante. A trilha sonora de Eiko Ishibashi destaca a beleza e o mistério das florestas selvagens, onde o bem e o mal, o cuidado e a apatia travam sua batalha perene. O centro da história são o viúvo Takumi e sua pequena filha, Hana, que vivem numa pequena comunidade rural perto de Tóquio.
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*Fotos: Divulgação/Reprodução
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